Introdução: Engajando o Leitor
Muitas instituições guardam acervos fotográficos de valor inestimável, verdadeiros tesouros culturais que, na maioria das vezes, permanecem inacessíveis ao grande público. Esse era o desafio do Departamento de Arquivo Geral da Universidade Federal de Santa Maria (DAG/UFSM), cujo acervo fotográfico possui relevância local, regional e até nacional. Diante da necessidade de preservar e difundir esse patrimônio, a equipe do projeto encontrou uma solução que foge do óbvio. Este artigo revela as lições mais surpreendentes e contraintuitivas aprendidas nesse processo, mostrando que a modernização de arquivos pode depender menos de dinheiro e mais de estratégia.
Lição 1: A tecnologia de ponta para arquivistas pode ser totalmente gratuita.
"A ferramenta é poderosa, e o custo é zero."
Para gerenciar e difundir seu acervo digital, o projeto utilizou o software ICA-AtoM, uma ferramenta livre e de código aberto. Mas a gratuidade foi além: toda a infraestrutura necessária para seu funcionamento também tem custo zero. O projeto foi implementado utilizando o sistema operacional Linux, o servidor web Apache, o banco de dados MySQL e a linguagem de programação PHP, além de frameworks como Symfony e o código Qubit. Para quem é da área de tecnologia, essa combinação é imediatamente reconhecida como a "pilha LAMP", um padrão da indústria para aplicações web robustas e escaláveis.
Essa abordagem de custo zero é transformadora, pois torna a preservação digital e a difusão de acervos acessíveis a instituições com orçamentos limitados. É uma prova de que é possível democratizar o acesso ao patrimônio cultural sem a necessidade de investimentos vultosos em tecnologia proprietária.
Lição 2: A melhor estratégia digital não é digitalizar tudo.
"Menos é mais: a digitalização como um convite, não um ponto final."
Em uma era obcecada por colocar "tudo" online, a estratégia do projeto da UFSM é surpreendentemente seletiva. Em vez de digitalizar a totalidade dos negativos, a equipe seleciona apenas as fotografias mais relevantes e com melhor nitidez. Por exemplo, de um conjunto de trinta negativos sobre um mesmo assunto, apenas oito podem ser escolhidos para digitalização.
O raciocínio por trás dessa decisão é estratégico: o acervo online funciona como um "mecanismo de amostragem". O objetivo não é substituir o arquivo físico, mas sim servir como uma vitrine que desperta o interesse e incentiva os pesquisadores a consultarem o acervo completo presencialmente. A plataforma digital se torna um ponto de partida para a pesquisa, não o seu fim.
Lição 3: Se a ferramenta não fala sua língua, é preciso ensiná-la.
"O desafio da tradução: um projeto dentro do projeto."
Quando a equipe da UFSM adotou o ICA-AtoM, o software só existia oficialmente em inglês, o que dificultava o trabalho de descrição arquivística. Como o Arquivo Nacional do Brasil, órgão responsável pela tradução oficial, ainda não havia disponibilizado uma versão em português, a equipe decidiu criar a sua própria.
O processo foi meticuloso e exigiu um trabalho comparativo com outras traduções não oficiais, como a da Casa de Oswaldo Cruz, e até com a versão em português de Portugal, que continha inconsistências. O resultado desse esforço não foi apenas a tradução da interface para uso próprio, mas também o início da tradução do manual do usuário. O objetivo era nobre e visionário: facilitar a aprendizagem dos futuros bolsistas do projeto e beneficiar toda a comunidade de arquivistas brasileiros que desejam adotar a ferramenta.
Lição 4: Não se trata de um banco de dados, mas de um padrão global.
"Abandonando o improviso pela padronização internacional."
Antes do ICA-AtoM, o projeto utilizava um banco de dados em Microsoft Access que, embora funcional, era uma solução satisfatória "desenvolvida por bolsistas iniciantes do projeto". A mudança para o ICA-AtoM representou uma virada estratégica, um salto do improviso para a profissionalização. A equipe abandonou uma ferramenta adaptada por uma plataforma desenvolvida especificamente para arquivistas pelo Conselho Internacional de Arquivos (ICA). O ICA-AtoM não é um software genérico; ele foi construído em torno de normas internacionais de descrição arquivística, como:
ISAD(G)(um manual de regras global para descrever registros de arquivo)ISAAR(CPF)(um padrão para nomear de forma consistente as pessoas, famílias e organizações que criam registros)ISDF(uma forma de descrever as funções ou atividades que levaram à criação dos registros)ISDIAH(um padrão para descrever as próprias instituições, como arquivos ou bibliotecas)
O impacto disso é profundo. A adoção de uma ferramenta como essa ajuda a desfazer a "imagem antiquada" do arquivista, posicionando-o como um moderno "administrador de informações" que segue padrões globais. Isso garante não apenas eficiência e precisão no trabalho, mas também a interoperabilidade com outras instituições ao redor do mundo.
Conclusão: Um Olhar para o Futuro
O sucesso do projeto do Departamento de Arquivo Geral da UFSM demonstra que a modernização de arquivos depende menos de grandes orçamentos e mais de estratégia inteligente, colaboração e adesão a padrões abertos e globais. As lições aprendidas mostram um caminho viável e acessível para que outras instituições possam preservar e compartilhar suas memórias. Fica a pergunta: quantos outros tesouros culturais poderiam ser revelados se mais instituições adotassem abordagens tão criativas e acessíveis?
O AtoM/ICA-AtoM tem se mostrado resiliente ao longo dos anos.
Texto com base no artigo:
APLICAÇÃO DO ICA-ATOM NO ACERVO FOTOGRÁFICO DO DEPARTAMENTO DE ARQUIVO GERAL DA UFSM
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